quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O CRONOS E A CRUZ


Cronos é cruel. Enquanto andava com minha esposa no centro de Atenas vi uma turminha dos desgastados pelo tempo, manquejando naquelas calçadas milenares. Entre monumentos da história e a história dos mancos que Cronos havia feito a sua cronificação, não podemos dizer muito, só podemos dizer: Cronos é cruel com a carcaça dos anciãos.

“Cronos (Κρόνος) na mitologia gregaé o mais jovem dos titãs, filho de Urano, o céu estrelado e de Gaia, a terra. Cronos, o rei dos titãs e o grande deus do tempo, sobretudo quando este é visto em seu aspecto destrutivo, o tempo inexpugnável que rege os destinos e a tudo devora.” É isto. Ele consome tudo com o seu passar cadente. As velhinhas e os velhotes caquéticos de Atenas apenas refletiam as marcas da crueldade de Cronos, que a ninguém poupa. O tempo é inflexível em sua truculência cotidiana e eu já o sinto.

Entramos na loja da Attica para encontrar-nos com alguém e enquanto ali esperávamos a pessoa, minha esposa foi comprar um cosmético e eu fiquei assuntado o movimento. Foi aí que vi um carcomido de Cronos se dirigir a uma vitrine de perfumes e, como quem não quer nada, começa a se perfumar com o frasco que era usado para o comprador poder experimentar a fragrância. O velhusco se banhava com o perfume, então a vendedora o interpela e chama o segurança, que logo aparece para repreendê-lo.

O segurança era um jovem mastodonte e o velhote um cisco, mas havia muitos olhares na loja e nessa hora ninguém ousaria triscar num idoso. Eles têm direitos. O velho velhaco disfarçou e ficou ali com uma cara de bebê que tinha sujado as fraldas. Depois de um tempinho saiu todo cheiroso, como se nada tivesse acontecido.

Fiquei pensativo. Interessante! Cronos havia consumido o velhote no seu físico e tudo parecia murcho, mas a alma vigarista do astuto continuava robusta roubando a cena. Vi que ele não era um fracote psíquico, ainda que fosse um fracasso moral. A alma nunca se desestima com o tempo, pode até se desmontar, mas continua querendo levar vantagem.

Saímos dali e passamos em frente ao Areópago, onde Paulo pregou e pensei que aquela pregação teve um equívoco. De todas as mensagens do livro de Atos esta é a única pregação que não abordou a cruz. Paulo teve pouco resultado em Atenas porque ele omitiu apenas aquilo que pode tirar a alma do controle da vida. Só a cruz, Staurós, pode instaurar um novo estilo de vida numa pessoa caída. Sem a mensagem da cruz não há libertação de um ser humano trapaceiro. O egoísmo precisa morrer para que haja restauração da alma.

Mendigos, sem a cruz não podemos seguir a Cristo. Mas “a crucificação é algo feito para nós; não é algo que fazemos em nosso favor. Só podemos iniciá-la tomando a cruz, mediante uma decisão completa e honesta.” Não há outra jeito de viver a vida cristã a não ser mediante contínua morte para o eu, na cruz, com Cristo.

Do velho mendigo, Glenio Fonseca Paranaguá