quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O APRENDIZ DE LAVA-PÉS. VII

A escola do encurtamento da pessoa notável é dificílima. Agachar é algo agastadiço para quem se acha majestoso. Todos nós fomos picados pelo vírus que promove a moléstia do espichado, que se estica demais perante os outros anões. Somos uma raça viciada pelos desejos de ampliação e vivemos à procura de pódios e jiraus que nos façam sobressair.
Conseguir desapear o ego do pedestal é coisa complicada. Fazer arriar o auge da fama no plano do pó ou da lama é cabeludo demais para quem se descobre careca de tanto se inquietar com a cobiça dos degraus. Os altares nos alavancam ao alcance dos cumes.
Pedro era uma pedra bem alta. Ele se expunha como se fosse um monte acima dos cimos mais elevados entre os outros discípulos ciumentos. Veja sua indagação, quando Jesus aproximou-se de Simão Pedro, e este lhe disse: Senhor, tu me lavas os pés a mim? João 13:6.
A questão tem um quê de altivez. – eu, no teu lugar, não lavaria os pés de ninguém. Nem mesmo de uma pessoa tão elevada quanto a minha. Quem é o chefe não pode rebaixar-se a este nível insignificante dos serviçais. Aquele que manda no negócio deve se assentar na cadeira do Presidente e nunca se curvar para fazer os serviços de um servente.
No reino de Deus a escala de valor é totalmente diferente da grandeza no esquema humanista. Os reis, neste mundo, têm muitos servos. O Rei celestial veio ao planeta terra para servir a muitos. A ênfase do governo de Cristo é a disponibilidade para o serviço.
O pecado lançou Adão numa plataforma da excelência, isto é, num patamar acima dos céus, tornando-o soberbo; enquanto a salvação conduz o ser humano ao húmus untado com a saliva divina, para humildemente servir à maior cifra dos ensoberbecidos.
O Deus que serve aos arrogantes é o único que pode exigir a prerrogativa de poder salvar os atrevidos que não deixam lavar os seus pés. Só o Homem humilde, por essência, é capaz de tocar na altivez do presunçoso por excelência. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Marcos 10:45.
O Deus que se humilha para servir a Pedro, o inquebrantável de dura cerviz e rosto de pedra, acaba abatendo o seu orgulho em chamas, levando-o a lavar os pés dos que permanecem se achando superiores, a fim de matriculá-los na classe do rebaixamento.
A aula da nossa mortificação com Cristo é diária e não tem formatura nem diploma. Quero apenas apontar aqui, duas lições básicas: Deus leva em mais consideração aquele que não se leva a sério em seus direitos, nem se preocupa em ser vip. Quem é humilde nunca saberá que é, pois no dia em que souber algo de sua humildade, aperfeiçoará o seu orgulho.
Agostinho de Hipona deixou essa emenda: “Deus não se torna maior se você o reverencia, mas você se torna maior se o serve humildemente”. Mas cuidado com o show da humildade, pois ele não tem platéia. Se você e eu o estivermos servindo, certamente estaremos lavando os pés de alguns soberbos, tão arrogantes quanto nós. Não discutamos: se somos discípulos de Cristo, que todos nós nos acocoremos e, mãos a obra no novo ano.
Bem-aventurado seja 2011 na vida dos acocorados vivendo para a glória de Abba.
Abba, amado, tu nos criaste totalmente diferentes do que somos agora. O orgulho tomou conta de nós, da cabeça aos pés, e não sabemos como descer deste pedestal. O curso de aprendiz de lava-pés é muito complexo, pois temos exercícios novos e difíceis a cada minuto. Dá-nos a revelação do Homem crucificado que não se importava com as cusparadas na cara, nem fazia conta da coroa de espinhos na cabeça. Ainda que tudo tenha sido muito doloroso, ele não abriu a sua boca para reclamar, nem reivindicou a glória de ser Sua Majestade nos céus.
Quero aprender a lavar os pés dos meus semelhantes com a mesma postura daquele que sendo o Maior se fez o menor, e, como o Servo-Senhor teve aqui, ao se agachar, a condição ímpar de realizar um serviço tão humilhante, sem, contudo, ser humilhado. Concede-me a graça de nunca chamar a atenção dos outros pelos serviços prestados. Obrigado porque tu não és obrigado a cuidar de nós, mesmo assim, tu nunca desistirás de cada um nós, isto é, dos que crêem. Aleluia.
No Nome do teu Filho, o desejado das nações alcançadas pela graça, Jesus. Amém.
Do aprendiz de lava-pés. Glênio Paranaguá.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O SIGNIFICADO DOS DOIS NATAIS

Há dois nascimentos divinais na história humana.
Jesus nasceu aqui na terra, para que eu e você morrêssemos juntamente com ele. Cristo morreu na cruz, para que nós renascêssemos, em novidade de vida, por meio de sua ressurreição.
Ele nasceu na família de Adão, a fim de levar os homens a renascerem, pela graça, na família de Deus. Ele se tornou participante da nossa natureza humana, para que nós fossemos co-participantes da sua natureza divina.
O Criador ficou dependente da criatura, para retornar a criatura como dependente do Criador. Ele se esvaziou de sua gloriosa posição divina, para nos esvaziar da nossa glamorosa pretensão humana.
Na categoria humilde de Deus-Homem, na cruz, a humanidade o rejeitou. Na categoria de Homem-Deus, na ressurreição, a humanidade foi aceita incondicionalmente por seu amor furioso.
O natal de Deus na manjedoura precede o Natal do homem na sepultura. O Deus esvaziado é a sustentação do homem, pleno da graça divina. Bem-aventurados sejam todos os que crêem na suficiência de Cristo Jesus, que nasceu em Belém para nos fazer cidadãos da Nova Jerusalém.
O nascimento sobrenatural de Deus na estrebaria nos estriba até a realidade do nascimento espiritual, como filhos de Abba, ligados ao trono divino. Glória a Deus nas alturas e paz aos homens que ele ama de paixão.
Ditosos Natais aos afortunados filhos de Abba.
2011 com o Pão integral da graça. O Pão nosso, de cada dia, bem quentinho.
Do mendigo-padrão e aprendiz de lava-pés. Glenio Paranaguá

O APRENDIZ DE LAVA-PÉS. VI

Deus encontra-se com o ser humano em posições díspares e antípodas. Eles são distintos, isto é, dessemelhantes, mas também, Deus está numa ponta, na cabeça, como o Criador, enquanto o homem, no lado oposto, acha-se nos pés, como a criatura.
Antípoda, no português, é pé versus pé. Aponta para a posição dos antagônicos. Mas, neste caso há um paradoxo, quando examinamos o Criador do universo, o Deus Altíssimo, se abaixando até ao patamar da criatura e se rebaixando, como ninguém, até ao vale da sombra da morte, a fim de lavar os pés de criaturas altivas, que pensam que são deuses.
Os homens das portas sem maçaneta e sem ferrolhos. Os tipos da existência trancada como se fossem as Mônadas de Leibniz ou o Huis Clos de Sartre, protestam nos bastidores. A turma da roda dentada ou, do homem máquina, inventou o Natal em dezembro para combinar com o pinguço Dionísio, disfarçado de Noel, mesclando a velhusca Babilônia com a Babel moderna.
O nascimento de Deus entre os homens é um disparate lógico sem tamanho. O Criador encaixado numa cocheira e dependente da criatura é, no mínimo, uma loucura cósmica sem procedentes.
Não há nada mais equivocado do que ver o Deus Criador enrolado em cueiros e mamando numa cria adolescente da sua criação. O Onipotente dependente do ser humano, que ele mesmo criou aqui na terra, é uma amostra terrível de humilhação, contrária ao estilo terrificante que a orgulhosa criatura desenvolveu, não aceitando, nem ainda ser como um super-homem ou mesmo um semi-deus no panteão dos invocados.
Assistir ao espetáculo do Deus Todo-poderoso enterrado nos braços do húmus humanizado que se divinizou a si mesmo, é inconcebível para esse terrorismo humano que aspira ao trono do Criador. É pasmoso aceitar o Criador a serviço da criatura, servindo, agachado, aos seres soberbos que não se agacham nem para se servirem.
É por tudo isso que os aspirantes a deuses querem demover a comemoração da vinda de Cristo do calendário. Eles inventaram uma mentira universal no solstício do inverno no hemisfério norte, durante o mês de dezembro, e hoje, o Natal já é saudado simplesmente com: “boas festas”. Só que é festança das boas, essa festa da aceitação incondicional dos mendigos.
Mas, o nascimento de Jesus fala, antes de tudo e acima de todos, do Altíssimo esvaziado, encarnado, humilde, humilhado, dependente do Pai e dependendo de outros seres humanos arrogantes. Natal é a linguagem maior de Deus em estrutura humana, com endereço na terra, acocorado e com bacia nas mãos lavando os pés dos pedantes que querem viver em pedestais como se fossem divos autossuficientes.
Natal é a desconstrução da velha torre de Babel, com a sua proposta presunçosa de chegar ao céu pelos esforços suarentos de uma raça soberba. É a demolição dos edifícios antigos, mas pomposos, da envelhecida arquitetura humanista, que supõe merecer o reino de Deus pelo valor pessoal. É o esvaziamento do absoluto, sem perder nada de sua essência, vivendo como homem a grandeza do amor de Deus.
Querido Abba, como é grande o teu amor e como é minúscula a minha compreensão do que é realmente significante no teu reino. Eu e uma multidão de gente obesa, de ego rechonchudo, vivemos em desespero, absorvidos com o nosso lugar no pódio. Mas o teu Filho que podia se agarrar aos seus direitos de Deus tornou-se homem, sem nenhum direito, sem prestígio algum e acabou reduzido a um cadáver para poder vencer a morte e todos os traços do pecado que nos atormentam com a mania de grandeza.
Dá-nos a graça, na comemoração deste Natal, de sermos reduzidos pelo padrão da cruz ao único modelo que vale a pena se viver. Substitui o nosso ego gordo de orgulho, pela vida destituída de glamour; a vida humilde de Cristo Jesus. Concede-nos o apetite para comermos o Pão nosso de cada dia, nesta festa do contentamento eterno.
No nome do único Senhor que viveu na terra como servo, Jesus. Amém.
Do aprendiz de lava-pés, Glênio Paranaguá.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O APRENDIZ DE LAVA-PÉS. V

Os pés são os órgãos do corpo mais próximos ao solo. Ficam em contato com a nossa origem, ao rés do chão, isto é, no húmus. O ser humano é o húmus avivado pelo beijo de Deus na criação. O sopro divino foi quem deu a vida ao barro, ficando este de pé, mas solicitando a sua visibilidade sobre pés sujos. Seria por causa da sua raiz barrenta?
Alguma coisa estranha aconteceu nesse processo. Tudo aponta para o desejo de a criatura querer ser o Criador, como a causa dessa lama imunda pelo caminho. O pó alevantado através do hálito de Javé, agora quer ter a sua cabeça governando o cosmos.
A testa altiva e os pés empoeirados são as marcas de uma raça arrogante, embora com um destino cruel pela frente. O pecado nos deixou com uma aspiração ao trono celestial, mas aspirando sempre o pó da terra, enquanto viajamos rumo ao túmulo na areia. Almejamos ser Deus, todavia, não passamos de mortais a caminho da nossa origem.
O pó ao pó voltará. Isto é um fato incontestável. No entanto, a poeira agitada pelo fôlego divino supõe que seja o próprio divino em pessoa. O grão de areia não aceita nem mesmo ser um ídolo, um super-homem ou um semideus. Quer ser o próprio Deus.
A raça de Adão é uma turma de vasos de barro rachados, lascados e despedaçáveis, vivendo com arrogância, como se fosse um pelotão de divos gerenciando seus egos insatisfeitos.
Neste terreno argiloso nasce uma criança, de um lado com a índole do lodo, do outro, com a natureza divina. Jesus é o caulim perfeito esculpido na humanidade caída, enquanto Cristo é o Deus esvaziado, porém, a totalidade da Onipotência.
O Deus-Homem veio com a finalidade principal de destronar o barraco de sua obsessão de ser o Castelo real. É muito triste ver o sofrimento de um casebre mal-ajambrado, tentando viver como se fosse um Palácio maravilhoso. É lamentável notar a lama sonhando ser o brilhante solitário na coroa do Rei.
Foi aí, neste contexto totalmente aloprado, que o Soberano Deus, o Criador do universo, tomou a decisão de ficar de cócoras com uma bacia e a toalha, a fim de lavar os pés enlodados de uma gentinha enlouquecida pelo porte de ser graúda.
A lição tinha como objetivo expurgar os anseios de divinização dos vasos de barro, que não aceitavam a sua condição de argila entalhada ou o húmus de pé. Ora, se o humano é o húmus andando a pé, mas querendo sempre ser divino, então, o humilde é o divino vivendo como húmus, no humano, enquanto lava os pés dos seres humanos, com a psicose de serem divinos. Esta é a loucura existencial do evangelho e, ao mesmo tempo, a salvação da humanidade viciada por fama.
A coisa pega quando ouço a voz soprando suprema: Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. João 13:14. Tudo bem. O Senhor pode lavar os pés dos indigentes e continua sempre o Soberano, mas eu, como fico depois desta humilhação? O que vão pensar de mim?
– Você não se intitulou: Sua Alteza, o mendigo? Quem pode ser maior aqui na terra do que um filho de Abba? Quem pode ser mais insignificante do que um mendigo? Se você for um filho legítimo de Abba, você não se importará em ser um Zé Ninguém.
Abba, querido! Eis aqui a minha grande crise. Recebi Jesus e agora sou teu filho. Sei que faço parte da nobreza celestial, mas ainda vivo cá, nesta terra argilosa. Sou um vaso de barro muito metido. A questão é: mesmo sendo mendigo, é muito difícil lavar os pés de outros mendigos. Eu até lavaria os pés da rainha da Inglaterra, ela é apresentada como nobre por aqui, mas lavar os pés da ralé, desta gentalha suja, é demais para mim. Tem misericórdia da minha indigência enfatuada. Dá-me a revelação do Cordeiro, concedendo-me a graça de me acocorar contente, nesta missão de lava-pés.
No Nome dAquele que é sobre todo o nome. Jesus. Amém.
Do aprendiz de lava-pés, Glênio Paranaguá.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O APRENDIZ DE LAVA-PÉS. IV


O orgulho é poeira da minha estrada diária. Todos os dias os meus pés ficam sujos como o pó vermelho da minha arrogância roxa. Sou um altivo inveterado e não tendo a coluna de um invertebrado para me dobrar diante de uma bacia com água a fim de lavar os pés encardidos, fecho os olhos à minha lama, pois o que não aguento mesmo é a areia alheia.
Meu orgulho não me permite encurvar em presença de meus semelhantes. Sou capaz de conviver com a minha empáfia sem nenhum constrangimento, mas não tolero a soberba do meu próximo. A coisa que mais me incomoda é gente orgulhosa.
Que paradoxo! Tenho os pés encarvoados e não suporto os sebentos. Só pode ser mesmo coisa do orgulho vendo em outrem a sua imagem refletida na água turva. Não há quase nada que o orgulho se ressinta mais do que a vaidade de um ser parecido com ele. “O orgulhoso odeia o orgulho nos outros”. Cara de pau! Sê bento tu que és orgulhoso...
Agostinho de Hipona, chamado de o doutor da graça, disse que “o orgulho é o desejo perverso das alturas”. É como se fosse um nanico inchado supondo ser um colosso gigantesco, desafiando como acrobata na ponta de uma vara, a lei da gravidade no topo do Evereste. O pico do mundo é um mundo que pica as entranhas do altivo. Queremos a visibilidade pública no cume da cumeeira.
O Soberano, ao contrário do soberbo, desce dos píncaros da glória e vai até a cava mais funda da história humana para encontrar-se, de cócoras, com uma raça caída e enlameada que se acha superior, a fim de lavar os pés imundos desta gente ensimesmada.
Do sótão celestial ao porão da terra, o Deus encarnado fez uma viagem de humilhação com o propósito de desconstruir o mais terrível inimigo da felicidade humana. O egoísmo soberbo nos impede da celebração, quando os ventos sobram ao contrário.
Thomas Adams foi preciso ao dizer que, “o orgulho lançou o orgulhoso Hamã para fora da corte, o orgulhoso Nabucodonosor para fora da sociedade dos homens, o orgulhoso Saul para fora do seu reino, o orgulhoso Adão para fora do Paraíso e o orgulhoso Lúcifer para fora do Céu”. Posso até concluir igualmente: cuidado com o orgulho, pois só ele é capaz de nos tirar da participação na Casa de Abba como filhos legítimos.
Pedro quase foi lançando fora da escola do lava-pés por causa do seu rompante. Disse-lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu não te lavar, não tens parte comigo. João 13:8. Há algo errado em quem não se deixa lavar os pés de sua sujeira diária.

Mas, a questão vai um pouquinho mais longe ainda. O discípulo lavado, agora é transformado em mero lavador de pés. Ao rés do chão, próximo à sua origem no pó da terra, agacha-se um filho do Altíssimo, à semelhança do Soberano humilde, e, apanhando a sua bacia e toalha, se dá conta de sua missão mais elevada no discipulado do Agnus dei, ao lavar os pés poluídos de uma gentinha arrogante.
Querido Abba, esta lição é deveras difícil para mim. Não consigo me reconhecer suficientemente capaz de me ajoelhar perante o teu trono gracioso, para te pedir de coração: faze-me, de verdade, um lavador de pés. Mas não há alternativa. Foi o orgulho que colocou para fora dos recintos mais importantes, toda aquela gente graúda, que se achava maior que as outras pessoas. Por favor, mesmo sendo dificílimo, revela-me o caminho da cruz com Cristo para que eu seja desconstruído nEle, e assim Cristo em mim me substitua nesta tarefa tão humilhante de lava-pés.
No Nome que é sobre todos os nomes, Jesus. Amém.
Do aprendiz de lava-pés, Glênio Paranaguá