Deus encontra-se com o ser humano em posições díspares e antípodas. Eles são distintos, isto é, dessemelhantes, mas também, Deus está numa ponta, na cabeça, como o Criador, enquanto o homem, no lado oposto, acha-se nos pés, como a criatura.
Antípoda, no português, é pé versus pé. Aponta para a posição dos antagônicos. Mas, neste caso há um paradoxo, quando examinamos o Criador do universo, o Deus Altíssimo, se abaixando até ao patamar da criatura e se rebaixando, como ninguém, até ao vale da sombra da morte, a fim de lavar os pés de criaturas altivas, que pensam que são deuses.
Os homens das portas sem maçaneta e sem ferrolhos. Os tipos da existência trancada como se fossem as Mônadas de Leibniz ou o Huis Clos de Sartre, protestam nos bastidores. A turma da roda dentada ou, do homem máquina, inventou o Natal em dezembro para combinar com o pinguço Dionísio, disfarçado de Noel, mesclando a velhusca Babilônia com a Babel moderna.
O nascimento de Deus entre os homens é um disparate lógico sem tamanho. O Criador encaixado numa cocheira e dependente da criatura é, no mínimo, uma loucura cósmica sem procedentes.
Não há nada mais equivocado do que ver o Deus Criador enrolado em cueiros e mamando numa cria adolescente da sua criação. O Onipotente dependente do ser humano, que ele mesmo criou aqui na terra, é uma amostra terrível de humilhação, contrária ao estilo terrificante que a orgulhosa criatura desenvolveu, não aceitando, nem ainda ser como um super-homem ou mesmo um semi-deus no panteão dos invocados.
Assistir ao espetáculo do Deus Todo-poderoso enterrado nos braços do húmus humanizado que se divinizou a si mesmo, é inconcebível para esse terrorismo humano que aspira ao trono do Criador. É pasmoso aceitar o Criador a serviço da criatura, servindo, agachado, aos seres soberbos que não se agacham nem para se servirem.
É por tudo isso que os aspirantes a deuses querem demover a comemoração da vinda de Cristo do calendário. Eles inventaram uma mentira universal no solstício do inverno no hemisfério norte, durante o mês de dezembro, e hoje, o Natal já é saudado simplesmente com: “boas festas”. Só que é festança das boas, essa festa da aceitação incondicional dos mendigos.
Mas, o nascimento de Jesus fala, antes de tudo e acima de todos, do Altíssimo esvaziado, encarnado, humilde, humilhado, dependente do Pai e dependendo de outros seres humanos arrogantes. Natal é a linguagem maior de Deus em estrutura humana, com endereço na terra, acocorado e com bacia nas mãos lavando os pés dos pedantes que querem viver em pedestais como se fossem divos autossuficientes.
Natal é a desconstrução da velha torre de Babel, com a sua proposta presunçosa de chegar ao céu pelos esforços suarentos de uma raça soberba. É a demolição dos edifícios antigos, mas pomposos, da envelhecida arquitetura humanista, que supõe merecer o reino de Deus pelo valor pessoal. É o esvaziamento do absoluto, sem perder nada de sua essência, vivendo como homem a grandeza do amor de Deus.
Querido Abba, como é grande o teu amor e como é minúscula a minha compreensão do que é realmente significante no teu reino. Eu e uma multidão de gente obesa, de ego rechonchudo, vivemos em desespero, absorvidos com o nosso lugar no pódio. Mas o teu Filho que podia se agarrar aos seus direitos de Deus tornou-se homem, sem nenhum direito, sem prestígio algum e acabou reduzido a um cadáver para poder vencer a morte e todos os traços do pecado que nos atormentam com a mania de grandeza.
Dá-nos a graça, na comemoração deste Natal, de sermos reduzidos pelo padrão da cruz ao único modelo que vale a pena se viver. Substitui o nosso ego gordo de orgulho, pela vida destituída de glamour; a vida humilde de Cristo Jesus. Concede-nos o apetite para comermos o Pão nosso de cada dia, nesta festa do contentamento eterno.
No nome do único Senhor que viveu na terra como servo, Jesus. Amém.
Do aprendiz de lava-pés, Glênio Paranaguá.
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