terça-feira, 5 de março de 2013

GOTAS DE GENEROSIDADE V.


Escrevi as Migalhas sobre a figueira vetusta e generosa, que morreu no ano passado em
frente à nossa casa, na fazenda. Redigi-as no momento em que observava as reações de
minha esposa ferida em razão de um picada de escorpião, depois de tê-la medicado.
Fiquei acordado assuntando a sua respiração e movimentos, preocupado com o estrago
que aquele carangonço malvado fez em minha companheira de mais de quatro décadas.
Pensei sobre a maldade do bicho, de um lado, e a generosidade da figueira, do outro; e,
ante à sua dor e agitação, lembrei-me de um velho ditado popular que diz: "o pão-duro
tem um escorpião no bolso". Como dói meter a mão na bolsa para dar algo a alguém!
E, enquanto pensava na festa dos periquitos que havia cessado com a morte daquela
árvore liberal, fui levado pela memória dos textos bíblicos até a antiga Macedónia, para
constatar a riqueza da magnanimidade de uma gente pobre, mas dadivosa: porque, no
meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda
pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. 2 Coríntios 8:2.
Então, comecei a pensar nessa turma que é rica, embora viva apertada no barraco da
miséria, sonegando os atos de liberalidade. É triste ver essa gente privada de gestos
benevolentes, vivendo apenas por seus interesses egoístas, miúdos e mesquinhos.
Foi naquela madrugada aflita que entendi melhor o velho provérbio que mostra o sovina
com um lacrau no bolso, impedindo-o de ser caridoso. Entendi, também, que a verdadeira
generosidade é fruto da vida que nasce da morte. O grão de trigo tem que morrer para
poder dar muito fruto. Só a vida da ressurreição traz em si a legítima benevolência.
Os crentes da Macedônia eram pobres e estavam sob os açoites das tribulações, mesmo
assim, faziam festa e celebravam com a abundância da generosidade. Alguém já disse: "É
um grande espectáculo ver um homem esforçado lutar contra a adversidade; mas há um
ainda maior: ver outro cheio de ânimo correr em sua ajuda em generosidade exultante".
Talvez Madre Teresa tenha razão: "Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é
senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota". Isto é
semelhante a um passarinho que ia e vinha apagando um incêndio na floresta com um
pingo d'água no bico, quando foi interpelado por um cidadão que nada fazia e via inútil o
esforço da ave. Ao que o bichinho lhe retrucou: - esta é a minha parte. Qual é a sua?
Há daqueles que nada fazem e ainda criticam os que fazem um pouco. Porém, a turma da
madrugada - a gente que nasceu da tumba escancarada - rejubila-se quando se vê como
parte da solução dos problemas e jamais como parte dos problemas. Se você vive das
esmolas da graça, nunca se esqueça que você faz parte da solução dos problemas e que
outros serão abençoados pelas suas gotas de generosidade. Do velho mendigo,
Glênio Paranaguá.

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